segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nome de localidades em azulejos (cont.7)























Desta vez, ficam registadas mais outras 7 placas toponímicas, por esse país fora.

O repórter da ALDRABA encontrou e fotografou a da Charneca da Caparica, no distrito de Setúbal, as de Borba e de Terena, no distrito de Évora, e a de S. Pedro do Sul, no distrito de Viseu.

Aqui no distrito de Lisboa, as amigas da ALDRABA Maria do Céu Ramos e Susana Rodrigues captaram e enviaram-nos, a primeira, uma nova placa de Sintra (com a grafia moderna, já publicámos uma placa com a antiga grafia de Cintra), e, a segunda, placas de Cheleiros e de Pêro Pinheiro.

Obrigado aos que connosco têm colaborado, e um desafio a que outros o façam também.

JAF (texto e fotos de Borba, Charneca, S. Pedro do Sul e Terena)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Uma caderneta de cromos




Albert Einstein afirmava que, em teoria, as viagens no tempo apenas eram possíveis rumo ao futuro. Se reunirmos energia suficiente para viajar para além da velocidade da luz, então conseguimos “chegar” ao futuro antes de este acontecer. Já regressar ao passado, à luz das leis que regem o Universo, é teoricamente impossível. Mas Einstein não era sociólogo, antropólogo ou historiador… Preservar a memória e o património é, por si, uma viagem no tempo à(s) época(s) em que esse acervo histórico fazia parte do dia-a-dia dos nossos antepassados. É olhar para a herança deixada pelos que vieram antes de nós.
Perceber que somos o que somos porque antes de nós outros nasceram, viveram e morreram, deixando-nos um património que, só por isso, vale a pena preservar e recordar.
Nuno Markl, humorista, locutor de rádio, autor e argumentista, sabe que nunca irá influenciar a Física Quântica. Mas com a sua rubrica “Caderneta de Cromos” tem, como poucos, ajudado toda uma geração inteira a viajar no tempo, para um passado recente mas nem por isso desprovido de património cultural… Com as suas crónicas de rádio (todos os dias de semana, na Rádio Comercial), entretanto passadas para livro, Markl entra numa máquina do tempo virtual para retornar aos anos 70/80 e 90 do séc. XX. À distância de uma memória, relata-nos o impacto que algumas das manifestações culturais dessa época tiveram na sua (e de tantos outros) juventude e no que ele é hoje como pessoa.
O humorista fala-nos de filmes (ex: Regresso ao Futuro ou Star Wars), séries de televisão (de TV Rural a McGyver, passando pelo programa de animação de Vasco Granja), alimentos que à luz das regras de hoje seriam alvo fácil da ASAE (ex: granizados FA ou as fantásticas Peta-Zetas), músicas inesquecíveis como as de José Cid, Duran-Duran, brinquedos como o barco dos piratas da Playmobil, o Action Man e as inúmeras figuras de PVC dos heróis da TV.
O que está na moda hoje, está enterrado amanhã. As notícias que abrem o telejornal esta noite estarão quase esquecidas daqui a uns meses. Multiplica-se quase até ao infinito a nossa capacidade de arquivo, mas a nossa memória é cada vez mais curta em relação ao passado…
A minha geração, filha da democracia, vive tempos conturbados como muitas vezes aconteceu no nosso passado. E as pessoas, mesmo nas piores crises, continuavam a trabalhar, a criar família, a divertir-se.
Nuno Markl, como poucos, sabe que todos somos uma máquina do tempo. Nascemos numa determinada época, somos influenciados pelo meio que nos rodeia, pelo processo de socialização, por tudo o que antes de nós aconteceu. E, até deixarmos este mundo, passamos tudo isso aos que depois de nós cumprirão o seu papel. Preservar o património, seja uma carta de foral da Idade Média ou a memória de programa de televisão como o “TV Rural”, faz parte do nosso dever como habitantes deste planeta. Nem que seja em nome dos que depois de nós virão.

PEDRO MARTINS
(condensado de artigo a publicar no boletim ALDRABA nº 10, actualmente no prelo)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Santo António no imaginário popular



De entre os inúmeros patrimónios que o imaginário popular produz, as diversas manifestações em torno de Santo António merecem uma abordagem.
Entramos no Júlio dos Caracóis e lá está uma imagem, passamos por uma retrosaria e o santo espreita-nos da montra, pelas ruas da cidade, nas colectividades de cultura, recreio e desporto, ei-lo, acompanhando os alfacinhas nas suas deambulações, sublinhando uma devoção, convidando para a festa ou para a meditação, acerca do que falta fazer, para melhorar a vida colectiva.
O pão benzido que anualmente se guarda, as lendas que a tradição oral repassa, reavivando os milagres, o responso para as coisas perdidas e as novenas, como aquela das sandálias do santo, com dois pedidos difíceis, a poesia que a sabedoria e o talento dos poetas do povo engendra, os tronos, a iconografia presente nos arraiais, são diversas vertentes da evocação do santo em Lisboa.
Também em Viana do Castelo, encontrámos em duas pastelarias várias imagens do Santo que, segundo os comerciantes locais, terá a ver com o facto de Fernando de Bulhões ser o advogado do comércio local. As imagens apresentam-se de costas viradas para a caixa registadora, significando protecção contra ladrões, sendo propiciatória de abundância económica.
O professor Joaquim Pais de Brito assegura que se trata de um santo que “teve estes efeitos e formas de apropriação, que em si mesmos se tornam interessantes. Associou-se ao poder paralelo dos franciscanos, tendo como aliada a Rainha Santa Isabel. Vai pela eloquência da palavra, da elaboração do pensamento, que escapam ao Povo, ou são reelaborados. Ganha “copos” e fogueiras dos festejos de Verão. Como ganha atributo de casamenteiro. Permite encontrar as coisas perdidas, as coisas que estão fora do sítio. Em torno da figura do santo, a cidade desenvolve uma apropriação.”
Junho é o mês das festas em honra dos Santos Populares e, desde a procissão aos arraiais, passando pelas marchas e casamentos, evidenciam-se rituais como o pão de Santo António ou as montras e nichos, onde a imagem acompanha os moradores - sobretudo de Alfama - no seu quotidiano, podendo quase fazer-se um roteiro do Santo naquele lugar da cidade, por ser o bairro que maior devoção lhe consagra, porventura pela proximidade da respectiva igreja, que contém vestígios relacionados com o lendário “herói”, cujas efabulações e apropriações da gente humilde contribuíram para essa popularidade.
Uma antiga fazedora de tronos de Santo António, vendedora de caracóis, Carmelinda, moradora no Beco do Pocinho, contou: “A minha filha que está na Alemanha, a minha Eugénia, tem um Santo António, fui eu que comprei na igreja de Santo António e ela tem na prateleira lá no restaurante dela. Teve um incêndio, mas o Santo não ardeu e o dinheirinho que tinha lá escondido também não ardeu. Tadinha!”
Desde o lojista que exibe uma imagem de madeira na montra do seu estabelecimento na Rua de São João da Praça, até Anabela Moisés, de um lugar de fruta na Rua de S. Miguel que assegura “é a fé que nós temos, em Alfama não há casa que não tenha um Santo António”, nos mini mercados, nas lojas de fruta, em tabernas, restaurantes e tascas, lá está Santo António, em azulejo, ou numa imagem, de concepção elaborada, evidenciando a crença religiosa ou a evocação profana.
Pela cidade, seja na Bica, em becos de Alfama ou no Vale de Santo António, onde há uma comunidade devota do santo, alguns nichos celebram-no. E na Calçada de S. Vicente, numa mísula, que sobressai de uma varanda, o Santo parece vigilante…
No universo dos rituais e costumes que o imaginário popular criou à volta de Santo António, as colectividades não escapam. No Clube Desportivo da Graça, no Grupo Dramático e Escolar Os Combatentes, como no Grupo Musical O Pobrezinho, o santo aparece, respectivamente, numa estatueta no bar ou num cartaz, no trono do arraial de Junho, como num nicho e azulejo.
Mas toda esta diversidade é completada pelo génio e talento dos criadores de autos, nos quais o milagreiro é figura principal e, sobretudo dos autores da revista à portuguesa, onde o Santo é metáfora, para falar do presidente do Conselho de Ministros, durante o Estado Novo.
Para Vítor Pavão dos Santos, “quando no palco se fala no Santo António, todos sabem que se está a falar de António de Oliveira Salazar, no governo desde 1928. São inúmeros os santos antónios revisteiros. Hortense Luz, logo em 1929 (Chá de Parreira), depois Beatriz Costa, numa revista chamada mesmo Santo António, em 1934, ano das festas antonianas, fazem uma “pregação aos peixes”. E, mais recentemente, João Villaret criou outro Santo António bem irreverente, consertando os tachos duns e doutros (Não Faças Ondas, 1956)”
Segundo Isabel Vidal, “a admissão da caricatura da figura do chefe de estado na personagem do Santo António demonstra que os censores sabiam que uma certa cumplicidade, ao contrário de favorecer a perversão receada, acabava por promover a figura”. O facto de serem textos acessíveis, bem como a questão de, ao evocarem Santo António, se referirem a outro António, mais a ocorrência de serem autores e actores consagrados, difundindo sketches, que abordavam o aspecto prodigioso e mítico, certamente que ajudou a ampliar a esfera de influência, no imaginário popular, desta figura, beneficiando igualmente a imagem do governante, que surge nas entrelinhas, através de alusões óbvias.
Nas quadras que acompanham os manjericos, nas letras das marchas, no responso para encontrar objectos perdidos, nos pedidos a Santo António, ao longo de muitos anos (já era referido por Leite de Vasconcellos) atrás de uma tela representando o Santo, no novel bolo de Santo António, no artesanato urbano, que o coloca numa vespa, com o menino atrás, da autoria dos irmãos Baraça ou no galo de Santo António, todo castanho, com a corda dos franciscanos, rosário e menino, inventado por António Azevedo, constata-se que se manteve, com actualizações, a convicção e a homenagem popular àquele ícone.
Por isso, naturalmente, vários lisboetas coleccionam imagens do Santo do Menino Jesus, o que em alguns casos atinge várias dezenas de artefactos, da barrística à cerâmica, passando pela madeira, pano e granito.
Eis a riqueza de formas e gestos, que a alma popular encontrou, para celebrar um dos protectores da cidade, do lar, do casamento, da fecundidade, dos objectos desaparecidos, dos negócios, dos animais, absorvendo cultos ancestrais do solestício de Verão, etc., consoante a região, não esquecendo o lado folião e lúdico, do qual o povo tanto carece, ao longo de uma vida de trabalho.


Luís Filipe Maçarico (texto extraído de artigo do boletim "Aldraba" nº 10, no prelo)

(foto do blogue "Hippos")